Senhor Pensador
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Finalmente cheguei ao seu barraco, cujas paredes pareciam ter crescido ate o chao, com uma entrada de um lado e uma janela do outro. Bati na folha de papelao ondulado que cobria a entrada. E assim que os convidados costumam anunciar sua chegada, mas em vez de portas havia um buraco.
– Quem e? – A voz de alguem foi ouvida.
–Posso ir te ver um minuto?
– O que aconteceu? – perguntou o homem na cabine.
– Quero examinar voce. Como voce esta se sentindo?
– Eu nao estou reclamando. Tudo esta bem. Ele esta saudavel.
“Mas pelo menos tenha cuidado para que eu possa ouvir voce.” Ou deixe-me entrar.
– Siga seu caminho e me deixe em paz!
– nada resultara disso. Meu dever me trouxe aqui. Preciso examinar voce.
– E eu protesto contra a violencia! Onde esta a sua alardeada liberdade de expressao e acao? E voce tambem afirma que todo mundo usa isso como o ar?
– Sim, mas tal compreensao da liberdade pressupoe um certo grau de consciencia.
“Os nossos antepassados protestaram contra a violencia fazendo greves de fome nas prisoes. Agora e um momento diferente e estou declarando uma greve de silencio em protesto!
– Ouca, senhor! A sociedade respeita a nossa decisao de regressar a natureza. Voce pode desfrutar de todos os beneficios da civilizacao, mas se quiser dormir em esteiras, isso e problema seu! Por favor, desista de tudo o que a cultura proporciona a sociedade – tanto beneficios espirituais quanto materiais. Mas ainda precisamos de respeitar certas leis, se nao as sociais, pelo menos as inerentes a natureza humana. Afinal, voce tambem precisa permanecer humano nisso. Voce pode me ouvir?
Silencio. Nao ha nenhum som vindo da cabine. O senhor da cabine entrou em greve.
“Garanto-lhe que respeito a sua decisao de viver na pobreza e esconder-se da sociedade para se entregar a reflexao, como os antigos filosofos.” Mas sou o novo higienista da sua regiao e tenho que cuidar de voce como todo mundo. Voce pode me ouvir?
Silencio novamente.
“Bem, tudo bem”, pensei, “se voce nao quer fazer isso da maneira boa, entao faremos da maneira ruim”.
“Nao tenho mais tempo, querido senhor”, disse em voz alta, “estou indo embora, mas volto amanha”. Espero que voce esteja mais esperto ate la.
Tentando fazer o maximo de barulho possivel, me afastei, mas sentei-me atras do arbusto mais proximo e comecei a observar atentamente a barraca.
Cerca de vinte minutos depois, a cabeca deste cavalheiro apareceu pela janela. O chefe olhou em volta com atencao e logo o proprio cavalheiro saiu da cabine. Ele vestia calcas – ja deviam ter sido brancas – e um sueter preto que acumulava toda a sujeira ao redor. O cavalheiro levantou-se, segurando as calcas. Curvando-se, ele correu alguns passos encosta abaixo e mergulhou no matagal denso. Ninguem o viu, mas ele tambem nao viu ninguem. Aproveitei e subi na cabine. Havia palha no chao, coberta por um cobertor rasgado.
Alguns minutos depois, o proprio cavalheiro voltou. Quando ele me viu, ele praguejou alto. Era impossivel ficar de pe ali, entao ele se ajoelhou ao meu lado:
– Por que voce esta invadindo minha casa? Quem te convidou aqui?
Eu olhei em volta. Nao havia nem um prego nas paredes inclinadas. No canto havia apenas uma pa com o cabo quebrado.
– Voce tem medo que eu roube suas joias? O que voce esta fazendo aqui? Voce odiou o mundo inteiro? Alguem te ofendeu?
– Estou cansado de voce! Sair! Quero ficar sozinho!
“Voce pode ficar sozinho”, comecei significativamente, “mas nao deve despertar descontentamento”. Meu conselho para voce e voltar para as pessoas, tornar-se humano novamente. Mostre-me seus pes – e hora de plantar ervilhas entre os dedos dos pes!
Ele colocou as duas pernas debaixo do corpo e nao disse nada. Suavizei meu tom:
– Sugiro que voce se mude para uma das pequenas vilas. Esta quieto la, como em uma floresta sob a neve. Se voce odeia moveis, pode joga-los fora ou corta-los como achar melhor. A poucos passos da casa ha um riacho murmurante – pode substituir uma banheira ou chuveiro. Voce tera sabonete e uma toalha dura para se lavar bem e, claro, uma escova de dente! E macarrao com cheiro de ervas. Vou fazer de voce uma pessoa diferente!
“Bem, voce esta rindo de mim”, disse o cavalheiro. “Moro aqui ha muito tempo, tenho meus direitos e responsabilidades, entao por que voce nao me deixa em paz?” Afinal, nao incomodo ninguem, passo meus dias como um besouro trabalhador. Nao sou bonita, mas sou util. Para que preciso da sua pasta de dente alem de manchar os dentes? Se eu pudesse lhe dar um conselho, diria: “Pare com toda essa confusao e venha ate mim. Construa um estande lindo ao lado do meu e nao de a minima para tudo.”
Este senhor comecou a me persuadir a segui-lo! Tenho que trocar minha vida por uma Robinsonade, que representa nao apenas uma existencia primitiva, mas, veja voce, uma intensa luta de eterna sabedoria humana e astucia com os elementos. Este Diogenes moderno e sua filosofia tentaram me propagar! Bastaram algumas teses para, ao que me pareceu, destruir suas crencas pela metade, como um verme, essas duas metades pela metade e assim por diante, mas foi tudo em vao. Cada parte viveu a sua propria vida, contorceu-se, afirmou o seu primitivismo, zombou da civilizacao.
“Voces nao representam mais a raca humana, mas uma tribo de nojentos sabe-tudo.” Voces criaram uma especie de paraiso monstruoso e automatico em seu planeta. Voce se distanciou da natureza, subjugou-a, forcou-a a trabalhar ate a autodestruicao, quebrou-a, estuprou-a com suas descobertas. Quando isso nao foi suficiente para voces, voces inventaram em seus laboratorios uma nova natureza, artificial, quimica e maquinal, contrariando os objetivos e a vontade da propria natureza. Deve estar rodeado de misterio, pois no futuro distante os seculos estao ameacados por um homem onipotente, cujo cerebro e maos criarao coisas ainda mais terriveis, porque essas maos nao pertencerao mais ao homem.
Respondi ao Sr. Pensador que ele proprio havia perdido sua forma humana e suas palavras nao faziam sentido. A futura pessoa se desenvolvera harmoniosamente. E alem disso, esqueceu-se dos outros mundos, dos novos planetas que descobrimos durante os voos espaciais e para os quais descem as nossas naves espaciais. Seria muito triste se apenas um sol brilhasse sempre acima da cabeca da humanidade e outra estrela nunca nascesse. Se as pessoas estivessem sempre condenadas a mexer apenas na sua Terra, refaze-la, melhora-la – so ela! Mas, felizmente, o espirito humano, suas maos e pensamentos encontraram areas de aplicacao novas e inexploradas em planetas distantes. Voce conhecera a felicidade quando a encontrar, mas precisa conhecer o luto com antecedencia, antes que ele entre em sua vida, esta e a unica maneira de se defender dele.