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Банкир-анархист и другие рассказы
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«Pensei primeiro na acc~ao indirecta, isto 'e, na propaganda. Que propaganda poderia eu fazer s'o por mim? `A parte esta propaganda que sempre se vai fazendo em conversa, com este ou aquele, ao acaso e servindo-nos de todas as oportunidades, o que eu quer'ia saber era se a acc~ao indirecta era um caminho por onde eu pudesse encaminhar a minha actividade de anarquista energicamente, isto 'e, de modo a produzir resultados sens'iveis. Vi logo que n~ao podia ser. N~ao sou orador e n~ao sou escritor. Quero dizer: sou capaz de falar em p'ublico, se for preciso, e sou capaz de escrever um artigo de jornal; mas o que eu queria averiguar era se o meu feitio natural indicava que, especializando-me na acc~ao indirecta, de qualquer das duas esp'ecies ou em ambas, eu poderia obter resultados mais positivos para a ideia anarquista que especializando os meus esforcos em qualquer outro sentido. Ora a acc~ao 'e sempre mais proveitosa que a propaganda, excepto para os indiv'iduos cujo feitio os indica essencialmente como propagandistas — os grandes oradores, capazes de electrizar multid~oes e arrast'a-las atr'as de si, ou os grandes escritores, capazes de fascinar e convencer com os seus livros. N~ao me parece que eu seja muito vaidoso, mas, se o sou, n~ao me d'a, pelo menos, para me envaidecer daquelas qualidades que n~ao tenho. E, como lhe disse, nunca me deu para me julgar orador ou escritor. Por isso abandonei a ideia da acc~ao indirecta como caminho a dar `a minha actividade de anarquista. Por exclus~ao de partes, era forcado a escolher a acc~ao directa, isto 'e, o esforco aplicado `a pr'atica da vida, `a vida real. N~ao era a intelig^encia, mas a acc~ao. Muito bem. Assim seria.

«Tinha eu pois que aplicar `a vida pr'atica o processo fundamental de acc~ao anarquista que eu j'a tinha esclarecido — combater as ficc~oes sociais sem criar tirania nova, criando j'a, caso fosse poss'ivel, qualquer coisa da liberdade futura. Ora como diabo se faz isso na pr'atica?

«Ora o que 'e combater na pr'atica? Combater na pr'atica 'e a guerra, 'e uma guerra, pelo menos. Como 'e que se faz guerra 'as ficc~oes sociais? Antes de mais nada, como 'e que se faz guerra? Como 'e que se vence o inimigo em qualquer guerra? De uma de duas maneiras: ou matando-o, isto 'e, destruindo-o; ou aprisionando-o, isto 'e, subjugando-o, reduzindo-o `a inactividade. Destruir as ficc~oes sociais n~ao podia eu fazer; destruir as ficc~oes sociais s'o o podia fazer a revoluc~ao social. At'e ali, as ficc~oes sociais podiam estar abaladas, cambaleando, por um fio; mas destru'idas, s'o o estariam com a vinda da sociedade livre e a queda positiva da sociedade burguesa. O mais que eu poderia fazer nesse sentido era destruir — destruir no sentido f'isico de matar — um ou outro membro das classes representativas da sociedade burguesa. Estudei o caso, e vi que era asneira. Suponha voc^e que eu matava um ou dois, ou uma d'uzia de representantes da tirania das ficc~oes sociais… O resultado? As ficc~oes sociais ficavam mais abaladas? N~ao ficavam. As ficc~oes sociais n~ao s~ao como uma situac~ao pol'itica que pode depender de um peque~no n'umero de homens, de um s'o homem por vezes. O que h'a de mau ~nas ficc~oes sociais s~ao elas, no seu conjunto, e n~ao os indiv'iduos que as representam sen~ao por serem representantes d'elas. Depois, um atentado de ordem social produz sempre uma reacc~ao; n~ao s'o tudo fica na mesma, mas, as mais das vezes, piora. E, ainda por cima, suponha, como 'e natural, que, depois de um atentado, eu era cacado; era cacado e liquidado, de uma maneira ou outra. E suponha que eu tinha dado cabo de uma d'uzia de capitalistas. Em que vinha isso tudo dar, em resumo? Com a minha liquidac'ao, ainda que n~ao por morte, mas por simples pris~ao ou degredo, a causa anarquista perd'ia um elemento de combate; e os doze capitalistas, que eu teria estendido, n~ao eram doze elementos que a sociedade burguesa tinha perdido, porque os elementos componentes da sociedade burguesa n~ao s~ao elementos de combate, mas elementos puramente passivos, pois que o

«combate» est'a, n~ao nos membros da sociedade burguesa, mas no conjunto de ficc~oes sociais, em que essa sociedade assenta. Ora as ficc~oes sociais n~ao s~ao gente, em quem se possa dar tiros… Voc^e compreende bem? N~ao era como o soldado de um ex'ercito que mata doze soldados de um ex'ercito contr'ario; era como um soldado que mata doze civis da nac~ao do outro ex'ercito. 'E matar est'upidamente, porque n~ao se elimina combatente nenhum… Eu n~ao podia portanto pensar em destruir, nem no todo nem em nenhuma parte, as ficc~oes sociais. Tinha ent~ao que subjug'a-las, que venc^e-las subjugando-as, reduzindo-as `a inactividade.

Apontou para mim o indicador direito s'ubito.

— Foi o que eu fiz!

Retirou logo o gesto, e continuou.

— Procurei ver qual era a primeira, a mais importante, das ficc~oes sociais. Seria a essa que me cumpria, mais que a nenhuma outra, tentar subjugar, tentar reduzir `a inactividade. A mais importante, da nossa 'epoca pelo menos, 'e o dinheiro. Como subjugar o dinheiro, ou, em palavras mais precisas, a forca, ou a tirania do dinheiro? Tornando-me livre da sua influ^encia, da sua forca, superior portanto `a sua influ^encia, reduzindo-o `a inactividade pelo que me dizia respeito a mim. Pelo que me dizia respeito a mim, compreende voc^e? porque eu 'e que o combada; se fosse reduzi-lo `a inactividade pelo que respeita a toda a gente, isso n~ao seria j'a subjug'a-lo, mas destru'i-lo, porque seria acabar de todo com a ficc~ao dinheiro. Ora eu j'a lhe prove'i que qualquer ficc~ao social s'o pode ser «destru'ida» pela revoluc~ao social, arrastada com as outras na queda da sociedade burguesa.

«Como pod'ia eu tornar-me superior `a forca do dinheiro? O processo mais simples era afastar-me da esfera da sua influ^encia, isto 'e, da civilizac~ao; ir para um campo comer ra'izes e beber 'agua das nascentes; andar nu e viver como um animal. Mas isto, mesmo que n~ao houvesse dificuldade em faz^e-lo, n~ao era combater uma ficc~ao social; n~ao era mesmo combater: era fugir. Realmente, quem se esquiva a travar um combate n~ao 'e derrotado nele. Mas moralmente 'e derrotado, porque n~ao 'e derrotado nele. Mas moralmente 'e derrotado, porque n~ao se bateu. O processo tinha que ser outro — um processo de combate e n~ao de fuga. Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me `a sua influ^encia e tirania, n~ao evitando o seu encontro? O processo era s'o um — adquiri-lo, adquiri-lo em quantidade bastante para lhe n~ao sentir a influ^encia; e em quanto mais quanttidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influ^encia. Foi quando vi isto claramente, com toda a forca da minha convicc~ao de anarquista, e toda a minha l'ogica de homem l'ucido, que entrei na fase actual — a comercial e banc'aria, meu amigo — do meu anarquismo.

Descansou um momento da viol^encia, novamente cres-cente, do seu entusiasmo pela sua exposic~ao. Depois continuou, ainda com um certo calor, a sua narrativa.

— Ora voc^e lembra-se daquelas duas dificuldades l'ogicas que eu lhe disse que me haviam surgido no princ'ipio da minha carreira de anarquista consciente?… E voc^e lembra-se de eu lhe dizer que naquela altura as resolv'i artificialmente, pelo sentimento e n~ao pela l'ogica? Isto 'e, voc^e mesmo notou, e muito bem, que eu n~ao as tinha resolvido pela l'ogica…

— Lembro-me, sim…

— E voc^e lembra-se de eu lhe dizer que mais tarde, quando acertei por fim com o verdadeiro processo anarquista, as resolv'i ent~ao de vez, isto 'e, pela l'ogica?

— Sim.

— Ora veja como ficaram resolvidas… As dificuldades eram estas: n~ao 'e natural trabalhar por qualquer coisa, seja o que for, sem uma compensac~ao natural, isto 'e, ego'ista; e n~ao 'e natural dar o nosso esforco a qualquer fim sem ter a compensac~ao de saber que esse fim se atinge. As duas dificuldades eram estas; ora repare como ficam resolvidas pelo processo de trabalho anarquista que o meu racioc'inio me levou a descobrir como sendo o 'unico verdadeiro… O processo d'a em resultado eu enriquecer; portanto, compensac~ao ego'ista. O processo visa ao conseguimento da liberdade; ora eu, tornando-me superior `a forca do dinheiro, isto 'e, libertando-me d'ela, consigo liberdade. Consigo liberdade s'o para mim, 'e certo; mas 'e que, como j'a lhe prove'i, a liberdade para todos s'o pode vir com a destruic~ao das ficc~oes sociais, pela revoluc~ao social, e eu, s'o por mim, n~ao posso fazer a revoluto social. O ponto concreto 'e este: viso liberdade, consigo liberdade: consigo a liberdade que posso, porque, 'e claro, n~ao posso conseguir a que n~ao posso… E veja voc^e: 'a parte o raciocinio que determina este processo anarquista como o 'unico as dificuldades l'ogicas, que se podem opor a qualquer processo anarquista, mais prova que ele 'e o verdadeiro.

«Pois foi este o processo que eu segui. Meti ombros `a empresa de subjugar a ficc~ao dinheiro, enriquecendo. Consegui. Levou um certo tempo, porque a luta foi grande, mas consegui. Escuso de lhe contar o que foi e o que tem sido a minha vida comercial e banc'aria. Podia ser interessante, em certos pontos sobretudo, mas j'a n~ao pertence ao assunto. Trabalhei, lutei, ganhei dinheiro; trabalhei mais, lutei mais, ganhei mais dinheiro; ganhei muito dinheiro por fim. N~ao olhei a processos — confesso-lhe, meu amigo, que n~ao olhei a processos; empreguei tudo quanto h'a — o acambarcamento, o sofisma financeiro, a pr'opria concorr'encia desleal. O qu^e?! Eu combat'ia as ficc~oes sociais, imorais e antinaturais por excel^encia, e havia de olhar a processos?! Eu trabalhava pela liberdade, e havia de olhar `as armas com que combat'ia a tirania?! O anarquista est'upido, que atira bombas e d'a tiros, bem sabe que mata, e bem sabe que as suas doutrinas n~ao incluem a pena de morte. Ataca uma imoralidade com um crime, porque acha que essa imoralidade vale um crime para se destruir. Ele 'e est'upido quanto ao processo, porque, como j'a lhe mostrei, esse processo 'e errado e contraproducente como processo anarquista; agora quanto `a moral do processo ele 'e inteligente. Ora o meu processo estava certo, e eu servia-me legitimamente, como anarquista, de todos os meios para enriquecer. Hoje realizei o meu limitado sonho de anarquista pr'atico e l'ucido. Sou livre. Faco o que quero, dentro, 'e claro, do que 'e poss'ivel fazer. O meu lema de anarquista era a liberdade; pois bem, tenho a liberdade, a liberdade que, por enquanto, na nossa sociedade imperfeita, 'e poss'ivel ter. Quis combater as forcas sociais; combati-as, e, o que 'e mais, venci-as.

— Alto l'a! alto l'a! — disse eu. — Isso estar'a tudo muito bem, mas h'a uma coisa que voc^e n~ao viu. As condic~oes do seu processo eram, como voc^e provou, n~ao s'o criar liberdade, mas tamb'em n~ao criar tirania. Ora voc^e criou tirania. Voc^e como acambarcador, como banqueiro, como financeiro sem escr'upulos — voc^e desculpe, mas voc^e 'e que o disse —, voc^e criou tirania. Voc^e criou tanta tirania como qualquer outro representante das ficc~oes sociais, que voc^e diz que combate.

— N~ao, meu velho, voc^e engana-se. Eu n~ao criei tirania. A tirania, que pode ter resultado da minha acc~ao de combate contra as ficc~oes sociais, 'e uma tirania que n~ao parte de mim, que portanto eu n~ao criei; est'a ~nas ficc~oes sociais, eu n~ao ajuntei a elas. Essa tirania 'e a pr'opria tirania das ficc~oes sociais; e eu n~ao podia, nem me propus, destruir as ficc~oes sociais. Pela cent'esima vez lhe repito: s'o a revoluc~a social pode destruir as fic~oes sociais; antes disso, a acc~ao anarquista perfeita, como a minha, s'o pode subjugar as fic~oes sociais, subjug'a-las em relac~ao s'o ao anarquista que p~oe esse processo em pr'atica, porque esse processo n~ao permite uma mais larga sujeic~ao dessas ficc~oes. N~ao 'e de n~ao criar tirania que se trata: 'e de n~ao criar tirania nova, tirania onde n~ao estava. Os anarquistas, trabalhando em conjunto, influenciando-se uns aos outros como eu lhe disse, criam entre si, fora e `a parte das ficc~oes sociais, uma tirania; essa 'e que 'e uma tirania nova. Essa, eu n~ao a criei. N~ao a podia mesmo criar, pelas pr'oprias condic~oes do meu processo. N~ao, meu amigo; eu s'o criei liberdade. Libertei um. Libertei-me a mim. 'E que o meu processo, que 'e, como lhe prove'i, o 'unico verdadeiro processo anarquista, me n~ao permitiu libertar mais. O que pude libertar, libertei.

— Est'a bem… Concordo… Mas olhe que, por esse argumento, a gente quase que 'e levada e crer que nenhum representante das ficc~oes sociais exerce tirania…

— E n~ao exerce. A tirania 'e das ficc~oes sociais e n~ao dos homens que as encamam; esses s~ao, por assim dizer, os meios de que as ficc~oes se servem para tiranizar, como a faca 'e o meio de que se pode servir o assassino. E voc^e decerto n~ao julga que abolindo as facas ab'ole os assassinos… Olhe… Destrua voc^e todos os capitalistas do mundo, mas sem destruir o capital… No dia seguinte o capital, j'a ~nas m~aos de outros, continuar'a, por meio desses, a sua tirania. Destrua, n~ao os capitalistas, mas o capital; quantos capitalistas ficam?… V^e?…

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